domingo, 25 de novembro de 2012

O Evangelho de Saramago - José, um judeu na Palestina ocupada



Aviso – A razão de ser da crítica é dialogar com a obra, lhe dotar sensações e sentidos percebidos por quem critica e transmiti-los. Colocando a obra em contato com a realidade que presencia, é atribuído o caráter de trabalho mútuo em progresso. Rejuvenesce o feito do artista. A arte concede brilho e dinamismo ao conhecimento, por isso, também, é tão perigosa. Esse esboço de uma análise da grande obra de Saramago pode “estragar a surpresa” da obra, revelando detalhes e finais, o que pode decepcionar quem pense que a arte se trate apenas de detalhes e finais. Esse pensamento é o mesmo que considerar observar um mapa substitui a viagem ou o resultado de uma partida de futebol vale pelo jogo. Então, como disse Maquiavel, “se é para fazer o mal, faça-o de uma vez”, deste já o final é antecipado: o herói morre na cruz.

O Evangelho de Saramago

Já sabemos, que em Saramago, vírgula é vírgula, está presente a todo instante, dando a escrita uma oralidade original, fluída e, assim mesmo, extremamente pessoal, pois, o peso de cada vírgula é definido pela respiração do leitor, o ponto, por sua vez, não é somente um ponto final, mas tem força e moral de uma exclamação, dada a raridade deste no texto. Também é peculiar a Saramago a relação estabelecida com o leitor, não um Eu-Tu, “Eu falo, tu escutas”, não, José faz acordo e conclusões com o leitor sem buscar máscaras ou refúgios, ele não conta uma história, mas conversamos sobre vidas vividas, o que abre brecha para ficarmos a vontade nos devaneios, sem incomodarmos com passado ou futuro, fatalidade ou pessoalidade.
A combinação destes elementos, pontuação única e pessoalidade acordada, conferem a prosa saramaguiana uma poderosa contundência poética, difícil não ser capturado e envolvido pelas longas frases curtas, como em um rio, no qual mergulha-se sem se imaginar a força da correnteza que arrasta para um mar infinito, não nos enganemos com essa metáfora, a beleza não é destino, é caminho.   
“Evangelho” significa “A Boa Nova”, são quatro os santos que o narram na Bíblia, são Mateus, são Marcos, são Lucas e são João. Destacam-se pelo seu caráter retórico autoritário, de convencimento intimidador imposto pela divindade. Na versão de Saramago para “a maior história já contada” a preocupação não é divinizar o homem Jesus, mas aproximar a divindade do homem. Alguns críticos do Evangelho de Saramago definem essa opção como “irônica”, oras irônica é a bíblia que quer dos homens uma uniformidade que não corresponde à diversidade da raça humana. O Jesus de Saramago não é único, nem mesmo é três, é múltiplo, carrega vários universos. Como todos nós, aliás.
A pluralidade é alcançada através das várias facetas assumidas  pelo autor, de filósofo a psicólogo. Poderíamos até chamar o escritor, e o próprio Cristo, de “Legião”, uma vez que são tantos. O primeiro Saramago, no entanto, é um espectador de um quadro renascentista que retrata o momento da morte de Jesus na cruz e o choro das Marias. Jesus não é o único a morrer, ao lado dele morre dois Ladrões, um homem oferece água e vinagre aos três condenados “e não faz diferença entre Jesus e os Ladrões, pela simples razão de que tudo isto são coisas da terra, que vão ficar na terra, e delas se fez a única historia possível


    A história de José – Judeu na Palestina ocupada
            
             No quadro ressalta-se o sol que brilha na hora da morte, mas a vida de Jesus começa em uma noite, como a maioria de nós, afinal, em geral acredita-se que o melhor momento para a concepção é na escuridão da noite. As dicotomias vão além da luz do dia e do breu da noite, sendo fundamentais no texto: deus e homem, pai e filho, abandono e comunhão, e por fim, como não poderia deixar de ser, vida e morte. Estas, no entanto, não são estáticas tornando-se relações ambíguas. Para engravidar Maria, deus não utiliza grandes poderes divinos, mas uma necessidade humana: “...José, perplexo, olhou o vulto da mulher, estranhando-lhe o sono pesado, ela que o mais ligeiro ruído fazia despertar, como um pássaro. Era como se uma força exterior descendo ou pairando sobre Maria lhe comprisse o corpo com o solo ... Estará mal, pensou, mas eis que um sinal de urgência o distraiu da preocupação incipiente, uma instante necessidade de urinar, também ela muito fora do costume...”
                Na noite após o humanissímo xixi de José, o casal José e Maria – sempre ela depois dele, pois como lembra Saramago, “as mulheres são secundarias em tudo, basta lembrar uma vez mais, e não será a ultima, que Eva foi criada depois de Adão e de uma sua costela, quando será que aprenderemos que há certas coisas que só começamos a perceber quando nos dispusermos a remontar as fontes” – recebe a visita de um misterioso mendigo que pede comida. Maria sacia a fome da misteriosa figura, que surpreende Maria com o anormal anuncio da incomum gravidez. O mendigo coloca um bocado de terra na tigela em que come, para em seguida revelar a Maria o que esperas. Ainda naquela mesma noite Maria fica com a cabeça confusa diante de tantos fatos inusitados, pois “o pensamento, afinal de contas, já por outros, ou o mesmo, foi dito, é como um grosso novelo de fios enrolado sobre si mesmo, frouxo nuns pontos, noutros apertado até à sufocação e ao estrangulamento, está aqui, dentro da cabeça, mas é impossível conhecer-lhe toda a extensão, seria preciso, desenrola-lo, estende-lo, e finalmente, medi-lo, mas isto, por mais que se intente, ou finja intentar, parece que não o pode fazer o próprio sem ajudas, alguém tem de vir um dia dizer onde se deve cortar o cordão que liga o homem ao seu umbigo, atar o pensamento à sua causa.
                Corre o tempo na Galileia, "A barriga de Maria crescia sem pressa, tiveram de passar-se semanas e meses antes que se percebesse às claras o seu estado, e, não sendo ela de dar-se muito com as vizinhas, por tão modesta e discreta ser, a surpresa foi geral nas redondezas." Chega à notícia do recenseamento imposto pelo Império: todos os chefes de família deveriam voltar à terra de origem para terem suas informações coletadas pelos oficiais romanos. Assim, no final da gravidez de Maria, a família ainda par, teria que se deslocar da pequena Nazaré para a também diminuta Belém, aldeia próxima a Jerusalém. Na estrada, José se encontra com as angústias e temores da paternidade, e é com um rabino que se conforta e se defronta esses anseios: “Não falava do teu filho, falava das mulheres e de como geram os seres que somos, se não será por vontade delas, se é que o sabem, que cada um de nós é este pouca e este muito, esta bondade e esta maldade, esta paz e guerra, revolta e mansidão
Resistência hebraica a Roma
                Naturais dúvidas que acometam pais no pré-natal, que se dissolvem no primeiro choro da criança. O filho de José e Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo.” Após o parto normal, Maria e seu rebento recebem a visita de três pastores. O primeiro traz leite, o segundo queijo. O terceiro, mais alto, entra e diz sem olhar para ninguém, que não Jesus:” Com estas minhas mãos amassei esse pão que te trago, com o fogo que só dentro da terra há o cozi. E Maria soube quem ele era.
                Enquanto celebrava-se o nascimento em uma gruta na Palestina, em outra parte da terra que futuramente seria santa, o Rei Herodes agonizava. Temendo pelo futuro do legado, Herodes manda matar todos os recém-nascidos da região. Dois soldados distraídos conversam resignadamente sobre a natureza cruel do pedido, José ouve o dialogo e corre apavorado para proteger da missão dada sua prole do cumprimento. Somente a sua. Somente Jesus. Começa a partir daí o sofrimento psicológico de José, fruto do seu egoísmo, mas também resultado de uma ocupação estrangeira em terras alheias.
                José não consegue mais dormir, quando são e salvos voltem para Nazaré, “o sono é seu inimigo de todas as noites”. A culpa atrapalha o sono, mas não as noites de José, de modo que os irmãos de Jesus vão se multiplicando. Uma vida normal na terra ocupada da Galiléia.
                Nesse meio-tempo, os metódicos romanos aperfeiçoam o recenseamento. Ao invés das famílias se deslocaram a áreas centrais, os oficiais do Império que partem por todos os cantos sob a égide romana. Tal evolução aumenta com efetividade o recolhimento dos tributos, na mesma proporção cresce a insatisfação do povo hebreu. A ocupação da Palestina por forças militares estrangeiras sufoca os anseios dos judeus.
Um paralelismo semântico brilhante. Saramago retoma a obscura história do patriarca da família de Jesus para simbolizar a atual história dos palestinos em Israel. Contando uma história olvidada, a vida de José pós-natal, Saramago narra todas as outras vidas esquecidas. Mostra como perdemos referências básicas: no berço do cristianismo, um dos pilares da civilização ocidental, as mesmas atrocidades e injustiças que afetaram Jesus e sua família ainda ocorrem com outros inocentes.
O múltiplo Saramago aborda a questão por diversos ângulos, colocando passado e presente, tão distantes em tempo, próximos em ações. Quando a família deixava Jerusalém “tão irradiante vai em sua felicidade que uns toscos e brutos mercenários gauleses, louros, de grandes bigodes pendentes, armas postos, mas afinal, supõe-se, de terno coração deste renovo do mundo que é uma jovem mãe com o seu primeiro filho, estes guerreiros endurecidos sorriam à passagem da família, com podres dentes sorriam, é certo, mas o que conta é a intenção.” A comparação alusiva com os franceses atuais é hilária, mas não cabe aqui. Em 49 antes da história desse evangelho, Julio Cesar conquista definitivamente a Gália, os gauleses passam a ser tributados do império. Roma “globalizava” o mundo em que mandava. A presença de outros povos, era a presença do domínio não importando quem estava antes na terra ou não. Ainda bem que esses gauleses eram sorridentes. Gauleses mercenários a serviço do império podem mandar na terra mais do que judeus há anos na terra, só pelo fato de estarem a serviço de Roma?
O tempo presente é usada de forma espetacular em outro período, que narra a saída da família de Jerusalém: “Ficariam, pois, dois ou três dias mais, fariam as suas despedidas em boa e devida forma, com tais e tantas que vênias que não ficariam duvidas nem dividas, e então, sim, poderiam partir, deixando nos habitantes de Belém a recordação feliz duma família de galileus piedosos, bem-educados e cumpridores do dever, execepção assinalável, se tivermos em conta a fraca opinião que os habitantes de Jerusalém e arredores, no geral, fazem da gente da Galileia”. O contraste entre os tempos dos verbos salta aos olhos, “fazem” é o contrário, é uma constante. A Galileia não fica nas Cisjordânia ou em Gaza, assim, não está nas terras que os palestinos revindicam, mas o texto de Saramago não se preocupa com pormenores geográficos. Ressalte-se a permanência do preconceito, algumas ideias ficaram no passado, mas o preconceito como arma de dominação continua atual e atuante.
 Havia os que não cediam, poucos, e por isso morriam, e outros que, tendo aprendido a melhor lição, de que, ocupante bom é, justamente, e também, ocupante morto, tomaram em armas e foram para as montanhas. Diz-se armas, e elas eram pedras, fundas, paus, cacetes e cachaporras, alguns arcos e flechas, apenas o suficiente para começar uma intifada, e, lá mais para a frente, umas tantas espadas e lanças apanhadas em rápidas escaramuças, mas que chegada a hora, de poucos lhes podiam servir, tão habitualmente andavam, desde David, à impedimenta rústica, de benévolos pastores e não de guerreiros convictos” Poucas expressões são tão eloquentes quanto “intifada”. O termo, do árabe, significa “revolta”, entretanto, “Intifada” já perdeu muito da sua definição genérica, sendo designada para nomear a defesa dos palestinos contra a violenta ocupação militar dos israelenses. A reação dos palestinos é aproximadamente dois mil anos mais nova do que a dos judeus da época de José, contudo a luta se dá basicamente da mesma forma: contra um exército opressor, muita vezes extremamente cruel, armam-se com pedras, fundas, paus. A palavra “Intifada” nesse trecho vai além de “resistência” ou “revolta”, os judeus que fundaram a intifada, legitimamente, contra os seus opressores romanos. Saramago faz da palavra que hoje separa os dois povos um denominador comum para ambos, ligando o passado ao futuro, sem, no entanto, se esquecer quem é o agressor e quem é o agredido, quem está com pedras, fundas, paus, e quem está com o exército imperial.
Desde que o mundo é mundo, pessoas buscam na guerra um refúgio para suas mazelas, querem a força que a vida os renega. Não é o caso de José, é o caso sim do seu vizinho Ananias, que impossibilitado de ter filhos, vê na intifada judaica um sentido para a existência, “Vou para guerra como se pensasse fazer um filho”. Ananias parte para seu pessoal inverno da cultura, em busca da sua paz parte para a guerra. Como manda o costume das comunidades simples, o próximo vela pela casa do seu vizinho. Não tarda, no entanto, para chegar a péssima nova: Ananias encontra-se ferido na cidade de Séforis, vizinha a Nazaré. José, agora não tem um vizinho para vigiar sua casa durante a jornada, mas com o peso do remorso da morte das crianças que o ataca todas as noites, se dirige ao resgate de Ananias.
                Em um armazém de Séforis, ferido a beira da morte, está Ananias. O resgate falha, as feridas vencem, Ananias morre, resta a José dar uma despedida digna. O que também não é possível, uma vez que o burro que o trouxe até é roubado. O desespero toma conta de José, sabia que chegara a hora da condenação definitiva. ”Deus não perdoa os pecados que manda cometer” Na procura infrutífera pelo animal, José é preso pelos romanos que após um breve interrogatório levaram-no para a praça da cidade junto com outros prisioneiros, “percebendo que os homens que ali estavam eram rebeldes, protestou, Sou carpinteiro e gente de paz, e um dos que estavam sentados disse, Não conhecemos este homem, mas o sargento que comandava a guarda dos prisioneiros não quis saber, com um empurrão fez cair José no meio dos outros, Daí só sais para morrer.
                O pai de Jesus vê os outros 39 prisioneiros serem crucificados racionalmente, com atenção a economia de materiais e esforços e visando a eficácia.  O último a ser crucificado vê o sofrimento de toda a gente com a cidade sem aniquilada pelo romanos, enquanto os crucificados iam morrendo um por um. “O carpinteiro, chamado José filho de Heli, era um homem novo, na flor da vida, fizera há pouco dias trinta e três.”
Sara para Sharon
                O brilhante Saramago dedica a primeira parte do Evangelho a renegada figura paterna de Jesus, fazendo da jornada esquecida uma parábola para o conflito que ainda alimenta a terra santa com sangue: os judeus foram reprimidos, humilhados e massacrados por tropas a serviço de um império, não por serem de outra etnia ou seguirem outro Deus, não. Os hebreus não aceitam serem submissos, serem negados do direito a autodeterminação, serem privados da liberdade completa. A revolta é filha da opressão.  
Saramago tem um domínio absurdo da língua lusa, fazendo não só do enredo propriamente a alegoria, mas cada elemento da linguagem, cada ponto de reflexão dos personagens serem permeados pela dominação romana. O sofrimento particular do indíviduo não é independente da política, mas está totalmente inserido no contexto. Cada vida humana é afetada pela opressão. A dominação prolongada marca de maneira indelével o espírito do individuo para atingir o povo por completo, negando o direito a própria existência como tal. A linguagem é um instrumento de afirmação ou de confrontamento do domínio. Se houvesse uma “Folha de Roma” ou um “Império Times” ou outro jornal que servisse como eco do império, sem dúvida teria a mesma preocupação com inocentes e culpados que o sargento romano, estampando nas manchetes “Terroristas condenados” ou “Rebelião controlada”. Vale lembrar que “O Evangelho de Saramago” foi o último livro a entrar no Index, a lista de livros banidos pela Igreja de Roma. Com a linguagem da rebeldia, Saramago lembra que a Palestina não é só a Judéia, e que Israel não é um lugar, muito menos um Estado, mas uma percepção religiosa.
A sociedade ocidental se baseia nos mitos que esquece, Jesus também morrerá como um terrorista, só que ao contrário do José, não como mais um, mas como o principal agitador.   
O destino de José, depois de Cristo, não está especificado na Bíblia. Seu papel foi restrito a coadjuvante dos acontecimentos entre o Espírito Santo e Maria. O apócrifo evangelho de Tiago coloca que José viveu até os 111 anos abençoado com juventude e saúde. Saramago não vê benção na vida de José, e sabe que a vida do pai influi decisivamente na vida do filho. Jesus sofrerá com a pressão imperial que recaiu sobre José, exercida pelo seu outro, e verdadeiro, pai.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Tarde futuro

No Estado está tudo errado
No mercado está tudo caro
Você vendo por inteiro
O cara da banca não vende
O cigarro que eu quero

Meu dinheiro está no banco da praça
Que já não é mais minha                                        
O tempo que passa com vento
Transforma a areia em duna
Ferida rasa em funda
Fogo em fúria em latinha

Dado o veto ao voto
Voz ao discreto
Rua ao protesto
Ainda ganho na loto
Cansei de migalhas
Vou partir pro milagres
Vou morder o recheio
Do biscoito e do beijo

De todas as tardes
Quero do sol
Só uma parte.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O campeonato que vou



Eu vou
Pra luta com nove jogadores
Que medo não atrapalha                                          
Sei que também há flores
Nos campos da batalha

Não há trave que impeça
Medida que me meça
Caçada que não pegue
Mordida que não sare
Pare que te quero
Vestida de francesa
Carrasco que me beija
Bandeira não deixa
O triunfo que se deseja

Eu vou
Pra sexta pra cobrar                              
A anulação do seu juiz
Eu jogo em luta
A marcação é agarrar
Seu filho da disputa
Antes do fim ele me diz
Qual cartão que  quer ganhar?

Eu vou sair
Eu vou partir
Eu vou sorrir

Eu vou
Fazer falta na mentira
Reserva não tem gás
Resultado não se vira
Conversa que se cai
Na área de primeira
Pra ver onde se chega
Só termina com o apito
Seu carrinho não me pega
Não te vejo mas te finto
E te driblo sem receio
Da torcida vou com grito
Bola pro mato
Você eu escanteio
O jogo vale é o campeonato


terça-feira, 11 de setembro de 2012

Apoliticamente, a FIFA protege a ditadura e expulsa a democracia nos campos do Chile




"Não vou renunciar. Colocado no caminho da História pagarei com minha vida a lealdade do povo. E digo que tenho certeza de que a semente que deixamos na consciência digna de milhares e milhares de chilenos não poderá ser ceifada definitivamente. Eles têm a força, poderão submeter-nos, porém não deterão os processos sociais nem com crimes nem com a força. A história é nossa e é feita pelo povo".
últimas palavras de Salvador Allende transmitidas por rádio durante o cerco ao La Moneda.



O uso e abuso da história - Pelas coincidências que só a história oferece através do calendário, o Chile enfrenta a Colômbia pelas eliminatórias, no emblemático 11 de Setembro. Nesse dia em 1973, o presidente, eleito democraticamente, Salvador Allende, sofreu um golpe que instaurou uma ditadura sanguinária. O jogo de hoje seria no Estádio Nacional de Santiago, palco de torturas e execuções durante a ditadura Pinochet. A torcida, nome dado ao povo no estádio, do Chile preparava manifestações, a maioria saudosas homenagens a Salvador, o valente. 


O que faz a FIFA? Proíbe o jogo de ser realizado no Estádio Nacional alegando manter o caráter “apolítico” da entidade. Atitude condizente com o caráter hipócrita da organização que monopoliza o jogo.
O Chile joga contra ninguém e faz o gol mais triste de todos
Pouco tempo depois do golpe, no mesmo ano, o Chile enfrenta a União Soviética pela repescagem da Copa do Mundo de 1974. O local escolhido para o jogo da volta foi o Estádio Nacional, aquele mesmo dos massacres e masmorra da dignidade humana. Os jogadores da URSS se recusam a entrar no campo com uma declaração que entraria para a história: “Não jogaríamos em Auschwitz, não vamos jogar aqui.” De nada adianta o protesto soviético, a seleção chilena entra em campo sozinha e marca o gol mais triste do futebol, contra ninguém pois seu adversários se solidariza com a o sofrimento do seu povo. A FIFA confirma a vitória do Chile, classificado para a Copa, e pune a URSS, com a exclusão de competições internacionais. A entidade a época era dirigida por Stanley Rous, notório defensor do Apartheid. Em 1961, a África do Sul brutalmente segregacionista é expulsa da Confederação Africana, Stanley não hesita em defender o que acredita: suspende todos os países africanos da entidade em resposta ao boicote contra o racismo, exceto, claro, a África do Sul branca.  
Ao invés de jogadores, soldados e mortes

Assim a FIFA se fez, e se faz, apolítica: impedindo manifestações democráticas e tudo que pode parecer popular. “Apoliticamente”, a cínica FIFA serve como instrumento para ditaduras que bebem sangue do próprio povo e regimes violentamente racistas. A classificação da seleção chilena para a Copa de 74, baseada no fantástico time do Colo-Colo de 73, evidentemente foi utilizada por Pinochet. Da mesma maneira, a manutenção da África do Sul racista nos quadros da FIFA, em detrimento, de todo o continente legitimou o regime do Apartheid.


Não se trata da atitude isolada de um presidente em uma época especifica, a FIFA sempre soube entender onde estava o poder e com quem estava o dinheiro. Sempre contou com a cumplicidade da mídia, que exemplarmente demonizava a URSS e citava a África do Sul e Chile como sucessos de ordem. A mídia ecoa a linguagem FIFA: os interesses da FIFA são sempre chamados de “exigências” pelos jornais, a escandalosa corrupção são ditas “transações” e o autoritarismo é batizado “questões de seguranças”, como a vergonhosa proibição do jogo em um templo do esporte mausoléu do povo chileno. Valente, a hincha do Chile não cederá, homenageará seus heróis e reverenciará seus mortos, apesar das covardias com o selo FIFA. Cabe ao Brasil se solidarizar com o passado e presente dos amigos ao sul, mas com um olho aberto para o futuro: a Copa de 2014 está aí. A história também, ninguém se esqueceu de quando se jogou e não se jogou no Estádio Nacional.



segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A fantasia será livre


Os oprimidos fazem a revolução
Hoje tomam a rua em cordão
Bebem, pulam, cantam, descem e amam
E bebem, dançam, celebrando o fim da solidão

Mas uma coisa de fora pra dentro
Avassaladora de mim toma conta
Inevitável chega o momento
A verdade na ponta enfim vem à tona 

Corre pra pintar o muro
Mas um Batman já atua no escuro
Foge pra aparar o jardim
Mas lá brinca outro alerquim                              

Aqui não cabe a perfeição                                   
É hora da improvisação
Pela multidão abre passagem
Na raça conquista a praça
Com a bailarina divide espaço
Em meio a brilho e tatuagem

Não me leve mal
Não fui eu o primeiro
Mas hoje é carnaval
Vou me já agora
Pois lá a hora faz banheiro

O alivio é interrompido
O grito não pode ser contido
Por trás da peruca colorida, um oficial
Me diz: “Estás prejudicando a ordem municipal
Tava seguindo os pingos da tua trilha                                             
Essa é uma praça de família
E se te passa uma mãe com a filha?”

Elas não envergonharia
Sorrindo assim eu pediria:
 ”Minhas amigas queridas
Tirem essa fantasia de família
A dança também é bendita
Não precisam de tanta dureza
Basta ser flexível
Com as pernas e a com cabeça
Só a vergonha é insensível
Afaste os pés com a razão
Deixe fluir livre longe da proibição

Domingo tudo se permite
Solte sua alegria
Nenhuma lei diz que tem limite
 Tenham fé
Que um dia
Vocês também mijarão de pé” 

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Tapete Verde



Durma-se com um barulho desse
Fala muito
Ouve pouco
Faz poesia sobre o jogo

Dez pra dois
Cinco pra um
Quero quatro na mesa
Ouro na cabeça

Estica a ficha
Corre o tempo
Sem nenhum receio
Cara feia não põe medo

Olho de vidro
Ali do lado
Em terra de cego
Quem tem dama é rei

Vim pra fazer aposta
E não fortuna
Pra fazer história
Não escrever o futuro
Pra fazer a festa
Que me importa a glória?

Invisto a grana em vida
sem desperdício
Se vier uma dose forte
É pura sorte

Sete copas na cachola
Espadas rolam cabeças a prêmio
Em um tapete verde as vezes
Sofrem os gênios com cartas sem escola
Só conta os meses

segunda-feira, 16 de julho de 2012

O esquecimento é o que acontece – Cartola e Nietzsche se encontram em um jardim




                                                                               Gal acontece

“Não poderia haver felicidade, jovialidade, esperança, orgulho, presente, sem o esquecimento.” Assim concluiu Nietzsche na segunda dissertação de A Genealogia da Moral. O esquecimento, ressalta o filósofo bigodudo, não é uma consequência passiva de um lapso memorial. O esquecer, pelo contrário, é uma atitude afirmativa necessária para uma existência plenamente autêntica. O oposto dessa pulsação de esquecimento, fiadora da felicidade, é a consciência humana, base da moralidade. Simplificadamente, a consciência é o pensamento mais profundo do individuo, particularmente concernente ao sentido virtual de certo e errado. Nietzsche, em A genealogia, associa o surgimento da consciência com inicio da estrutura social e da criação de leis, que por sua vez dependem da repressão do instinto e do desenvolvimento de um tipo especifico de racionalidade: “finalmente tomamos partidos contra nós mesmos, ficamos doentes e nos punimos.” Nessa cadeia social, a consciência é a cela cujo carcereiro e o preso é a mesma pessoa, o indivíduo.

Todos os instintos que não são liberados atuam internamente. Isso é o que chamo interiorização” Já disse Nietzsche bem antes de Freud. Se a chave para superar a prisão da consciência é o esquecimento, o caminho oposto da interiorização é, obviamente, seu inverso, a exteriorização. O instinto nesse processo não é domado, mas estimulado como desejo, esse dialogando com o que de novo há no mundo exterior. Um dos vários nomes com o qual se pode nomear essa fenômeno do “que há de novo no mundo” é de “acontecimento”. O acontecimento do novo é, portanto, manifestação encarnada do desejo, isto é, a vontade, permitida somente pela capacidade de esquecimento. Alguns chamariam essa vontade de “amor”. Para o novo amor é necessário o novo esquecimento.



Cartola simplifica:                

Acontece                                                                  

Esquece o nosso amor
Vê se esquece.
Porque tudo na vida acontece
E acontece que eu já não sei mais amar.
Vai sofrer, vai chorar
E você não merece,
Mas isso acontece.


Alguns versos em determinadas estruturas poéticas se salientam mais que os outros para uma compreensão apolínea do texto. No caso de Acontece, começamos pelos últimos versos do par de estrofes: a primeira termina com “mas isso acontece”, mostrando resignação perante o inevitável fardo da vida; a segunda estrofe, negando, conclui “isso não acontece”, definido a partir da reconhecida, de maneira fria e dura, impossibilidade de atuar. O primeiro verso oferece, o segundo quase imperativamente exige a aceitação do esquecimento: “Vê se esquece” E por que esquecer, Cartola? “Porque tudo na vida acontece”.

Analisando mais amplamente, nota-se que a primeira estrofe tem sete versos, sendo o primeiro um verso branco, ou seja, não possui um par com o qual rime. Esse verso solitário é justamente “Esquece o nosso amor” Na poesia de Cartola o amor muitas vezes não rima. Para o verso não ficar manco, isto é sem rima alguma, o poeta opta por repetir esquece, reforçando o sentido do esquecimento logo no princípio da obra.

Enquanto o drama da primeira estrofe reside no reconhecimento melancólico da incapacidade do amante “E acontece que eu já não sei mais amar”, na segunda o conflito se deve a outra potencialidade negada, não por incapacidade, mas por vontade “Se eu ainda pudesse fingir que te amo”. A resultante da primeira é o sofrimento passivo: “Vai sofrer, vai chorar”, o desenrolar da segunda, novamente, é uma resistência da vontade “Mas não posso, não devo fazê-lo”

As estrofes em dois resumos minimalistas anti-poético poderiam ser, a primeira: “Esqueça e aceite, tudo acontece até o que não quero e é injusto”. A segunda, no mesmo estilo, seria: “Poder o que eu não quero não acontece”. Com uma dose certa de beleza, seriam dois aforismos bem Nietzscheano.  
             
Acontece que o meu coração ficou frio
E o nosso ninho de amor está vazio.
Se eu ainda pudesse fingir que te amo,
Ah, se eu pudesse
Mas não posso, não devo fazê-lo,
Isso não acontece.


           Não só para indivíduos, a criação cultural de uma sociedade estaria ligada a capacidade desta conseguir superar a história, ou seja, esquecer para cultivar o novo. Na metade final do século XIX, em meio a unificação alemã, borbulhava o debate em torno da necessidade da história para o fortalecimento cultural de uma nação e de um povo. A opinião de Nietzsche era uma das mais polêmicas: a história servia para uma educação limitada e enciclopédica, engessando decisivamente a cultura, como “um crocodilo a engolir a um antílope”. O esquecimento, a ignorância histórica proposital, levaria a uma cultura radicalmente inovadora, que seria verdadeiramente atraente para o novo, para a nova geração, para a juventude. Do contrário o desinteresse cultural triunfaria, o “coração ficaria frio”. Não só isso, Nietzsche alertava que as consequências de uma absorção cultural exterior - sem o esquecimento permitindo o acontecimento – seriam imprevisíveis. A história alemã no século XX, ironicamente, deu razão ao bigode. Faltou esquecimento.



Um poeta poderia dizer que Deus instalou o esquecimento como guardião da soleira do templo da dignidade humana” Nietzsche em Humano, demasiado Humano


                 Nietzsche em o Nascimento da Tragédia, primeiro dos seus livros, compara o surgimento do teatro entre os gregos como o “desabrochar das rosas em uma noite espinhos”. A medida em que vai escrevendo, Nietzsche vai confrontando a si mesmo e se refazendo, sem nunca, no entanto abandonar as floridas metáforas. Em Aurora, o alemão compara o trabalho de um filosofo diante da história com de um jardineiro: A partir das raízes difusas e horrendas, chega-se a sublime harmonia das pétalas de rosas. Cartola sintetizou parte desse pensamento em outra canção igualmente brilhante, através do singelo e poderoso verso: “As rosas não falam”. De longe passeando pelo mesmo jardim, com olhar atento e ar distraído para as mesmas flores, enquanto ajeita o bigode do futuro, o filósofo observaria: “Certamente elas não falam, as rosas superam

terça-feira, 3 de julho de 2012

2 de Julho – A independência da Bahia contra o histórico riocentrismo: duas guerreiras na Praia de Ipanema.



Um dos mais danosos vícios do estudo histórico do Brasil é o “sudestecentrismo”, focado especificamente em um “riocentrismo”. Evidentemente, a cidade do Rio de Janeiro ocupa um lugar de destaque na história brasileira, em especial do desembarque da corte na Praça XV a inauguração de Brasília, contudo esse peso carece de relativização.  As conquistas políticas ocorridas no século XIX, independência, proclamação da República e abolição da escravidão foram logradas apesar dos seguidos governos autoritários, sediados primeiro na Quinta da Boa Vista e depois no Palácio do Catete. As reais lutas sociais tiveram como cenários os mais diversos recantos do país, tanto no interior quanto nas cidades. Sempre longe dos palácios.  

O caso historiograficamente mais emblemático é o da independência do Brasil. A versão oficial passa longe da realidade e da importância dos acontecimentos. O Brado retumbante do ouvido às margens plácidas do Ipiranga no 7 de Setembro de 1822 ,em uma viagem Rio - São Paulo (!), não foi ouvido pelo povo heroico. Desde a vinda da corte, a relação colônia – metrópole fora definitivamente abalada, a traumática ruptura não começou nem terminou em setembro 1822. Foi um longo e doloroso processo que tomou o imenso território brasileiro por décadas.

Maria Quitéria, com o saiote histórico 
Destaca-se as lutas e movimentos em Pernambuco, São Paulo, Pará, Ceará e Minas Gerais. Mas nenhuma outra das batalhas do processo de independência custou tantos corpos quanto a Independência da Bahia. Quando explode a revolta liberal no Porto, são as capitais nordestinas que mais sentem suas repercussões. Enquanto, a indignação da elite fluminense se preocupava com a perda dos privilégios com o fim da proximidade da corte, outros centros do Brasil debatiam o futuro imediato mais seriamente. Na Bahia, onde havia número igual de portugueses a da capital, as discussões rapidamente se tornaram conflitos armados. Se quase toda gente recebeu bem a liberalização vinda do Porto, não foram poucos os lusos que não aceitaram o descumprimento constitucional do príncipe regente com a declaração do Dia do Fico. Entre as várias batalhas sangrentas, ressaltam-se as atuações heroicas de duas mulheres que o enorme reconhecimento da sociedade machista à época não deixa espaço para a superestimação.         

A ocupação portuguesa na progressista Bahia era tumultuada e violenta, aumentando a intensidade das arbitrariedades no pós-fico. Com o pretexto de perseguir revoltosos, os soldados lusos cometem excessos atrás de excessos, culminando na invasão do Convento da Lapa. Temendo pela castidade e vida das internas, a Abadessa Joana Angélica, madre-superiora da instituição, impede com o corpo a entrada dos soldados ensandecidos: “Para trás, bandidos. Respeitem a Casa de Deus. Recuai, só penetrareis nesta Casa passando por sobre o meu cadáver.” A casa foi penetrada como a baioneta penetrou o tronco de madre. O mátir da religiosa atiçou a fúria de uma sociedade profundamente espiritualizada.
Nossa Mulan: guerreira imperial

Uma dessas impelidas a luta pela morte de Joana Angélica foi Maria Quitéria. Deflagradas as lutas de apoio à independência em 1822, o Conselho Interino do Governo da Bahia, defendia o movimento e procurava voluntários para suas tropas. Maria Quitéria, interessada em se alistar, pediu permissão ao seu pai, mas seu pedido foi negado. Com o apoio de sua irmã Tereza Maria e seu cunhado José Cordeiro de Medeiros, Quitéria cortou o cabelo, vestiu-se de homem e se alistou com o nome de Medeiros,o Soldado Medeiros, no Batalhão dos Voluntários do Príncipe, chamado de Batalhão dos Periquitos, por causa dos punhos e da gola verde em seu uniforme. De soldada foi promovida a cadete, por conta de atos de bravura na Batalha de Pituba pela defesa da Ilha de Maré, tendo assim recebido uma espada, algo absurdamente excepcional para uma mulher no século XIX. Quando o Exército Libertador entra em Salvador triunfante, Maria, com seu uniforme azul com uma saia feito por ela mesma, é saudada e festejada como heroína. O próprio Imperador Dom Pedro I condecorou a brava baiana: “Querendo conceder a D. Maria Quitéria de Jesus o distintivo que assinala os Serviços Militares que com denodo raro, entre as mais do seu sexo, prestara à Causa da independência deste Império, na porfiosa restauração da Capital da Bahia, hei de permitir-lhe o uso da insígnia de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro ".
Uma das teses mais comuns em análises da historia do Brasil é a de que o “povo assistiu bestializado” aos eventos, como a independência. Essa visão encontra motivação em sua própria argumentação. O povo do Brasil, em toda sua diversidade, participa ativamente da construção política, cultural e social, portanto também política, do país. O que lhe carece é alguma representação. Os intelectuais e políticos da elite econômica “nacional” sempre procuraram retratar a si mesmos como principais agentes das transformações, das quais, na prática, costumam serem mais obstáculos. Bestializam-se as camadas populares para ausenta-lo de sentido. O povo é protagonismo de uma história não vista.

Onde o Rio é mais Bahia
O papal de destaque da independência da nação de um estado dito periférico, cujo uma mulher mulata guerreira escreve as páginas mais belas, não é lembrado. Aliás, o termo correto deveria ser “é esquecido”, pois não é por acaso que se ignora essas histórias. Como a independência do Brasil apaga as independênciaS do Brasil, a história do Brasil exclui aS históriaS do Brasil. Ainda há tempo de se escrever as histórias do país plural. Como a baiana mulata peladora, o processo não findou há espaços para empreitadas diversas de rara beleza.
                                                                                           
Pelas ruas e lutas, o coqueirão - Se a Mangueira é, como canta com propriedade Caetano, “onde o Rio é mais baiano”, cabe a Praia de Ipanema talvez ser onde o Rio é mais Bahia. A praia dos alternativos e vanguardismos clássicos dos cariocas se localiza na avenida que homenageia um engenheiro da Republica Velha, Vieira Souto. Entretanto, a referência da avenida principal é secundária. O estandarte na areia é o coqueirão, fina árvore, mal faz sombra aos adoradores do astro, escolheu bem quem limita seus domínios cosmopolitas. A juventude carioca tem como base as heroínas baianas do Brasil, que paralelas da Lagoa deságuam na praia. Nada mais carioca por uma via baiana. Nossa história está espalhada por todo canto da cidade, mas também de todo o país. Maria e Joana guiam os bem-aventurados: O caminho do sol é a trilha aberta pelas guerreiras baianas.  

                         Perdão para os torcedores do Vitória, mas na Bahia a obrigação é torcer pelo Baêa

quinta-feira, 28 de junho de 2012

A Libertadores é melhor que a Liga dos Campeões




                                                                          
Separación de  los hombres de los niños - Não há o que discutir, os melhores jogadores do mundo jogam nos melhores estádios-arenas do universo quando disputam a UEFA Champions League. Ao tocar o poliglota hino da Champions, é quase certo um grande confronto técnico e tático. Pela soma desses fatores, a competição européia de clubes é a mais famosa e a mais pelo vista mundo a fora, incluindo o Brasil. A constatação da qualidade do continental europeu não deve ser enxergada, no entanto, por um viés restritivo que assume hoje: muitos afirmam que o futebol só existe por aquelas bandas e o resto é lixo. Noves fora o complexo de vira-lata da parte sul do planeta, quem defende a supremacia da UEFA ignora o torneio mais difícil, mais brigado e mais foda do planeta: a Taça Libertadores da América.
                A competição da América do sul não tem Messi ou Cristiano Ronaldo, nem o Old Trafford, nem a organização e nem o glamour da Champions. O torneio sudamericano tem jogos que os horários são alterados em cima da hora, tumulto na chegada do ônibus, chuva de papel picado e de papel higiênico, sinalizadores coloridos queimando em fúria (ainda!), gramados que são pastos,  jogadores comuns, intimidação aos árbitros, torcedores alucinados, cartão amarelo que vale uma multa ridícula (U$ 80 por cartão amarelo) e não suspensão e, o maior símbolo do romantismo latino no futebol, a clássica barreira de escudos policiais para proteger o cobrador na hora da cobrança do escanteio.    
O sentimento Latino é pelador, brigador, quer a luta garrida; o sentimento nacional de cada país é oposto, mais sóbrio, menos exaltado. Claro que sobram raça e paixão no disputado campeonato argentino ou no uruguaio, mas o sangue ferve até os olhos somente na e pela Libertadores, como atestam os cantos das hinchas de Boca, Peñarol, Cerro ou Universidad, sempre recordando ou desejando a competição.
  Na Europa, são diferentes as motivações, o sentimento europeu comum é o civilizatório, racional, modelo para o planeta; o sangue esquenta como um latino somente no latente nacionalismo. A crise econômica demonstra que o nacionalismo, ao contrário da visão do eurosonho, está presente demais.
Comparemos duas análises regionais da época do nascimento do futebol. O escritor Eduardo Prado critica com veemência o pan-americanismo, em A Ilusão americana, em 1893: “Onde é que se foi descobrir na história que todas as nações de um mesmo continente devem ter o mesmo governo? E onde é que a história nos mostrou que essas nações têm por força de serem irmãs? (...)A fraternidade americana é uma mentira. Tomemos as nações ibéricas da América. Há mais ódios, mais inimizades entre elas do que entre as nações da Europa
A Turquia ainda é não-européia
No mesmo período o bigode europeu de Nietzsche profetizava em Humano, demasiado humano : “O homem europeu e a destruição das nações – O comércio e a indústria, a circulação de livros e cartas, a posse comum de toda cultura superior , a rápida mudança de lar e de região, a atual vida nômade de quem não possuem terras  - essas circunstâncias trazem necessariamente o enfraquecimento e  por fim a destruição  das nações, aos menos das europeias: de modo que a partir delas , em consequência de contínuos cruzamentos, deve surgir uma raça mista, a do homem-europeu”.  Esse “homem-europeu” é o torcedor que paga, no mínimo, mais de 70 euros para assistir a um jogo,  pega o eurotrem sem cantar uma música ,esse é o torcedor que exige assentos aquecidos ao invés de pular o jogo todo para se aquecer, falando em aquecer, ai da organização se o chá desse torcedor estiver morno. Tudo de acordo com o espatáculo plástico. Nada mais justo que o Chelsea e a sua moderninha torcida, mais interessada no Iphone do que no jogo seja campeão.  Sintoma crasso de uma Europa com valores em crise? Talvez.  Ao sul do equador, onde o pecado continua legalizado, a final é entre os maloqueiros do Corinthians contra os ensandecidos xenezies do Boca. Melhor assim. 

terça-feira, 15 de maio de 2012

Spike Lee Vs Ali Kamel - Mais um 13 de Maio esquecido




Nesse ano de 2012, Spike Lee, diretor do filmaço "Malcom X", está realizando uma série de viagens ao Brasil, onde realiza um documentário sobre o país que se transforma. Ou pelo menos tenta um pouco. A escolha de Spike foi entrevistar diversas personalidades, de Dilma a Romário, passando pelo Caetano. A mídia no seu papel habitual de desinformação categórica destaca as entrevistas, não o filme. Tomam o meio pelo objetivo, anunciando nas manchetes que o diretor veio ao país para as entrevistas. Querem esquecer o filme, pois o tema lhes é maldito: a questão racial no Brasil.

1989, Não somos racistas

Que questão?” “Que racismo?” Perguntaria Ali Kamel, autor de (sic) “Não somos racistas”, livro que prega o banimento de qualquer política de ação afirmativa no Brasil, por que, como expõe o título não há racismo por aqui. Inspirando-se em Gilberto Freyre, Kamel tenta estabelecer novas ideias sobre a natureza da miscegnação nacional. A diferença é que Ali não tem o mesmo talento que Freyre, entretanto tem bem mais poder. Ali Kamel é diretor de jornalismo da Globo, a eterna casa-grande da imprensa brasileira.

Ali Kamel e sua obra
A voz da casa-grande é a única que se ouve na senzala. Spike Lee escolheu cirurgicamente o momento do julgamento da constitucionalidade das cotas para abrir seu filme, o que passou escandalosamente batido nos grandes meios. Um dos maiores diretores da atualidade enxerga uma mazela na sociedade brasileira, vem aqui discuti-las de maneira aguda e a repercussão é mínima. “Velozes e Furiosos 5”, rodado também no Brasil teve cobertura diária das gravações, só para efeito de comparação. Mesmo não merecendo a mesma atenção que um blockbuster do Van Disel, fica evidente um boicote à película de Lee por conta da sua temática. 

Não é Spike Lee que vai colocar à tona o que varremos para deixo do tapete” pensa os comandantes da re(d)ação conservadora às cotas. E de fato, pelo menos ainda, nem o diretor nem ninguém conseguiu colocar o debate na pauta do dia.

Spike Lee curte um bom basquete, nesta com Henry

O último 13 de Maio é sintomático nesse aspecto. Começando antes, durante a semana anterior, o congresso votou mais uma vez a PEC do trabalho escravo que tipifica e amplia as punições para o trabalho escravo. O projeto está há onze anos na câmara, terceira legislatura,e, mais uma vez, foi derrotado. “Porque? Como um projeto contra o trabalho escravo é tão indesejado? Por Quem?”. São perguntas que deveriam ser feitas.  No aniversário da assinatura da Lei Áurea, não é feriado, por sinal, quase nada foi dito ou lembrado. Ofuscado pelo comercailissímo dia das mães, a data da libertação dos negros escravizados foi solenemente ignorada. Poucas comemorações oficiais, nenhuma reportagem, por fim, esquecimento obrigatório. Deveria ser lembrada.

   Resta uma esperança, Spike Lee voltou aos EUA para acompanhar os New York Knicks nos play-offs da NBA. A equipe de NY já caiu fora. Lee já esta voltando com novos olhares sobre nossas memórias. Devemos ver, para não esquecer os futuros 13 de Maio do Brasil.

Spike Lee colocou o Inimigo Público lutando contra o poder para abrir "Faça a coisa certa"...