terça-feira, 5 de maio de 2015

Sobre passeatas, bajulações e repressões

As imagens da violência contra os professores no Paraná estão intimamente ligadas ao "Basta de Paulo Freire" presentes nas manifestações 7x1. Quem pede "intervenção militar" saúda diretamente a lembrança dos ditadores que perseguiram além de Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. Antes fossem só babacas cretinos, como aparentam, mas é de selfie com PM em selfie com PM que, propositalmente, se molda essa imagem. Ninguém verde-amarelinho, ninguém que canta "brasileiro com muito orgulho" vai se solidarizar com professor espancado, como, aliás, não se importa com os negros mortos nas favelas. Por conta dessas arremedos de politização, paródias de críticos, essas coisas se reproduzem na mesma velocidade com a qual o congresso ferra a nossa vida diária. Mentecaptos proto-fascistas que só reconhecem como "professor" um embusteiro travestido de filósofo promotor da violência.
Tô puto pra caralho.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

AS MORTES DOS EDUARDOS

No dia 2 de Abril, foi brutalmente assassinato pela polícia o menino Eduardo de Jesus. Onze dias depois, morre um outro Eduardo, o Galeano. O dia 1 de Abril marca o aniversário do golpe que instaurou a ditadura no Brasil, que abriu caminho para outras iguais dilatarem as veias da América Latina: as ditaduras dos militares e empresários perseguiu de país em país o Galeano; a herança mais bem acabada desta ditadura, a PM, matou o menino de Jesus com uma bala na cabeça.
Nesse mundo de pernas pro ar, a escola do mundo as avessas, ensina que "são pobres a maioria das crianças do mundo e a maioria dos pobres do mundo são crianças" e que desde cedo aprendem "que o deus é o dinheiro, o shopping seu templo". Mais descartáveis que os produtos, são as pessoas, afinal "as coisas são donas dos donos das coisas e eu não encontro minha cara no espelho."
"Mas fomos feitos de luz, além de carbono e oxigênio e merda e morte e outras coisas", como andam as palavras. Galeno morreu e sobreviveu muitas vezes, naqueles dias e noites de amor e de guerra, para contar as histórias dos meninos de Jesus que morrem uma vez as centenas a cada dia. Outros Eduardos virão: "Este mundo de merda está grávido. Existe outro mundo diferente na barriga deste. Um mundo diferente. Não será um parto fácil. Mas com certeza pulsa nesse mundo em que estamos."
Diante da morte e das mortes, parece distante ser Galeano ou ser menino, ser velho escritor ou ser de Jesus, utópico ou criança, mas é só questão de um olhar "enfim estamos aqui desde que a beleza do universo precisou de alguém que a visse"


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Rio, a paisagem da escravidão


Como a maioria das cidades do planeta, o Rio de Janeiro deve seu crescimento a importante localização geográfica. No caso carioca, no entanto, se deve ao oposto: uma certa desimportância que fez a região bem ao sul dos centros econômicos, Bahia e Pernambuco, atrair os franceses, que ali fundaram a França Antártica Após os vencerem e expulsa-los, perceberam os lusos que deveriam fortificar e povoar a região. Aí sim, a sinuosidade do protegido litoral, fez do Rio, um importante porto.

O que passava pelo porto fez a riqueza da cidade nesses primeiros séculos de existência: ouro e prata contrabandeado do Prata trocado por escravos vindo da África. A escravidão, a partir daí, se tornou a marca da cidade. Dividia com Pernambuco e Salvador, a liderança no fluxo de escravos. Graças a outro acaso geográfico, as enormes jazidas de ouro em Minas, o Rio se torna soberano na interceptação do tráfico de escravos. A maior parte dos escravos que aportavam no Brasil era pelo Rio, boa parte desses fica por aqui. Com o século XIX e a fuga da Coroa, a cidade passa a ser capital do Império, com isso ainda mais urbanizada, aristocrática, elitista e, assim, reforçando o aspecto escravocrata. O Rio era a imagem que o Brasil, se entendendo enquanto "nação" naquela altura, refletia e seguia.



Em um telejornal vespertino global, uma série de reportagens, comemorando o aniversário da cidade, investiga a Ilhas Cagarras, próximas ao litoral carioca, o foco da matéria é a vida marinha que ali existe, mas em dado momento nos revela o narrador ao apresentar uma espécie particular das Ilhas: "Esses mexilhões vermelhos são exóticos, chegaram aqui nos cascos dos navios negreiros. O Rio recebeu mais de um milhão de escravos no seu porto, foi o maior centro de escravos da América do Sul. Mas os mexilhões..."

"Não somos racistas" - Ali Kamel, diretor da Globo, a emissora carioca

Algum outro lugar recebeu mais escravos na América Central? Talvez nos EUA? Não.

Então o Rio foi o maior centro escravista do continente americano. Outras cidades do mundo tinham mais escravos. Então, quais? Beijing? Deli? Bagdá? Nenhuma delas tinham tantos escravos, sequer eram modelos escravistas. Não que não tivessem seus próprios modelos de exploração, mas sem um homem ser proprietário do outro, e sem, fundamentalmente, o aspecto racial.

Portanto, o Rio era a cidade com mais escravos no mundo do século XIX. Mas houve uma cidade com mais escravos? Nem Roma, muito menos Atenas da Antiguidade tiveram tantos escravos quanto o Rio de Janeiro dos 1800.

O Rio de Janeiro foi o maior centro escravocrata do mundo.

Nenhuma cidade jamais teve tantos escravos. Tal herança permanece, mas a lembrança querem apagar.

Portanto as afirmações de historiadores de que "no século XIX, o Rio era o centro urbano das Américas com maior população de escravos da América" ou "a maior cidade escravocrata do ocidente" não são eloquentes, pelo contrário, são tímidas, minimizam a magnitude da escravidão.

Carnaval: Resistência negra contra a mazela da escravidão
Dos 450 anos que a cidade comemora, mais da metade destes foram como centro mundial da escravidão, marca indelével da paisagem. A cidade se fez pelas mãos negras escravizadas que aqui viviam, sofreram e padeceram. Não sem resistência, luta, coragem e invenção

Daí que vieram suas belezas, pela revolta escrava carioca,  Apolo encontra Dionísio descendo morro para através da invetividade dos sobreviventes da escravidão e descendentes realizar a beleza da cidade: o samba, os terreiros, o carnaval, a malandragem, a ironia, o futebol, os botecos, tomando a vistas e ficando às vistas nos morros.

Nesse momento, os que celebram os 450 anos do Rio de Janeiro tratam a cidade como uma dádiva a beira-mar, parecendo uma bela paisagem que encantou uns portugueses com bom-gosto e a partir daí cresceu para "sorte e orgulho do Brasil", como se propagou. A cidade do Rio é a cara sim do Brasil por ser a mais excludente, a mais desigual, a que teve mais escravos. Ignorar o recente passado e a violência da escravidão permite diminuir as violências que cotidianamente sofrem os filhos e netos desses escravos.

A paisagem do Rio 450 anos é a escravidão em uma cidade que o acaso fez prosperar. Como atestam dos morros às pedras pisadas no cais, dos sambas aos mexilhões vermelhos das ilhas cagarras. Cabe definir se devemos chamar a paisagem dessa cidade de "maravilhosa"