Estudos historiográficos recentes tentam responder uma questão geográfica: “Por que os franceses invadiram o Brasil pela Baia da Guanabara?”. Abandonando o “riocentrismo”, percebe-se que não foi a beleza da região ou outro pormenor. A França Antártica foi fundada na beira da baia, pois a incipiente colônia era ignorada pelos lusos, mais interessados em São Vicente, Bahia de Todos os Santos e Pernambuco. O oportunismo francês foi o ponta pé inicial definitivo para o que viria a ser a cidade maravilhosa, um dos símbolos do Brasil. Séculos depois, o Rio de Janeiro teria a sorte de ser o porto escoador do ouro mineiro. O acúmulo de acasos geográficos fez do Rio uma cidade importante. O acúmulo de culturas faz do acaso um fator importante para a história do Brasil.
Não sabemos se é por acaso ou não que o francês Jean, protagonista de Como era gostoso meu francês, chega por aqui. Sabemos que é por acaso que ele é confundido com um português e, por isso, é capturado e preso pelos tupinambás. O seu destino é a sentença dada aos inimigos: após oito luas, equivalente a oito meses, será devorado pela tribo. Jean, que quando preso pelos portugueses tinha um bola de ferro acorrentada aos pés, logo percebe que o cativeiro nativo é diferente: sem grades, sem correntes, sem confinamento. Não há distinção entre o livre e o condenado, senão o futuro. A sociedade tupinambá, sua prisão, o consome, em todos os sentidos.
Não é só Jean que é consumido. O espectador é ainda mais rapidamente consumido pelos tupinambás. Pintos, periquitas e peitos saltam aos olhos, a flauta rústica e o idioma guarani surpreendem aos ouvidos (o francês, pelo contrário, não nos espanta, sintomático da submissão cultural). Entretanto não demora muito para naturalizamos a nudez explicita e as palavras estranhas. Como o francês Jean nos deixamos consumir.
Em 1922, Oswald de Andrade lança o manifesto Pau-Brasil, que, parodiando o canibalismo tupi, prega a antropofagia cultural. Tal movimento consistia em absorver culturas e “vomitar” arte, mais cultura. Não era o que praticava as tribos do Brasil do século XVI, mas seus prisioneiros, sim, praticavam uma espécie de antropofagismo. A miscigenação cultural, com todas as ressalvas do preconceito e intolerância que percorrem toda a história do país, beberia muito dessa fonte ou comeria muito dessa carne.
O pronome possessivo “meu” no título da película deixa claro que a perspectiva presente é a do nativo, que toma para si o estrangeiro. O exótico não é o “índio” é o europeu, mas o que prevalece é o gostoso. Uma escolha histórica da cultura brasileira: preferir o sabor à posse. O cineasta e historiador Paulo Emílio Sales Gomes falava que “Para o Brasil nada é estrangeiro, pois tudo o é”. Nada é ao acaso, desde que seja tudo gostoso, de preferência banhado em sangue e sensualidade.


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