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terça-feira, 15 de maio de 2012

Spike Lee Vs Ali Kamel - Mais um 13 de Maio esquecido




Nesse ano de 2012, Spike Lee, diretor do filmaço "Malcom X", está realizando uma série de viagens ao Brasil, onde realiza um documentário sobre o país que se transforma. Ou pelo menos tenta um pouco. A escolha de Spike foi entrevistar diversas personalidades, de Dilma a Romário, passando pelo Caetano. A mídia no seu papel habitual de desinformação categórica destaca as entrevistas, não o filme. Tomam o meio pelo objetivo, anunciando nas manchetes que o diretor veio ao país para as entrevistas. Querem esquecer o filme, pois o tema lhes é maldito: a questão racial no Brasil.

1989, Não somos racistas

Que questão?” “Que racismo?” Perguntaria Ali Kamel, autor de (sic) “Não somos racistas”, livro que prega o banimento de qualquer política de ação afirmativa no Brasil, por que, como expõe o título não há racismo por aqui. Inspirando-se em Gilberto Freyre, Kamel tenta estabelecer novas ideias sobre a natureza da miscegnação nacional. A diferença é que Ali não tem o mesmo talento que Freyre, entretanto tem bem mais poder. Ali Kamel é diretor de jornalismo da Globo, a eterna casa-grande da imprensa brasileira.

Ali Kamel e sua obra
A voz da casa-grande é a única que se ouve na senzala. Spike Lee escolheu cirurgicamente o momento do julgamento da constitucionalidade das cotas para abrir seu filme, o que passou escandalosamente batido nos grandes meios. Um dos maiores diretores da atualidade enxerga uma mazela na sociedade brasileira, vem aqui discuti-las de maneira aguda e a repercussão é mínima. “Velozes e Furiosos 5”, rodado também no Brasil teve cobertura diária das gravações, só para efeito de comparação. Mesmo não merecendo a mesma atenção que um blockbuster do Van Disel, fica evidente um boicote à película de Lee por conta da sua temática. 

Não é Spike Lee que vai colocar à tona o que varremos para deixo do tapete” pensa os comandantes da re(d)ação conservadora às cotas. E de fato, pelo menos ainda, nem o diretor nem ninguém conseguiu colocar o debate na pauta do dia.

Spike Lee curte um bom basquete, nesta com Henry

O último 13 de Maio é sintomático nesse aspecto. Começando antes, durante a semana anterior, o congresso votou mais uma vez a PEC do trabalho escravo que tipifica e amplia as punições para o trabalho escravo. O projeto está há onze anos na câmara, terceira legislatura,e, mais uma vez, foi derrotado. “Porque? Como um projeto contra o trabalho escravo é tão indesejado? Por Quem?”. São perguntas que deveriam ser feitas.  No aniversário da assinatura da Lei Áurea, não é feriado, por sinal, quase nada foi dito ou lembrado. Ofuscado pelo comercailissímo dia das mães, a data da libertação dos negros escravizados foi solenemente ignorada. Poucas comemorações oficiais, nenhuma reportagem, por fim, esquecimento obrigatório. Deveria ser lembrada.

   Resta uma esperança, Spike Lee voltou aos EUA para acompanhar os New York Knicks nos play-offs da NBA. A equipe de NY já caiu fora. Lee já esta voltando com novos olhares sobre nossas memórias. Devemos ver, para não esquecer os futuros 13 de Maio do Brasil.

Spike Lee colocou o Inimigo Público lutando contra o poder para abrir "Faça a coisa certa"...

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Como era gostoso meu francês – Antropofagia, por acaso uma esperança para o Brasil


                Estudos historiográficos recentes tentam responder uma questão geográfica: “Por que os franceses invadiram o Brasil pela Baia da Guanabara?”. Abandonando o “riocentrismo”, percebe-se que não foi a beleza da região ou outro pormenor. A França Antártica foi fundada na beira da baia, pois a incipiente colônia era ignorada pelos lusos, mais interessados em São Vicente, Bahia de Todos os Santos e Pernambuco. O oportunismo francês foi o ponta pé inicial definitivo para o que viria a ser a cidade maravilhosa, um dos símbolos do Brasil. Séculos depois, o Rio de Janeiro teria a sorte de ser o porto escoador do ouro mineiro. O acúmulo de acasos geográficos fez do Rio uma cidade importante. O acúmulo de culturas faz do acaso um fator importante para a história do Brasil.
                Não sabemos se é por acaso ou não que o francês Jean, protagonista de Como era gostoso meu francês, chega por aqui. Sabemos que é por acaso que ele é confundido com um português e, por isso, é capturado e preso pelos tupinambás. O seu destino é a sentença dada aos inimigos: após oito luas, equivalente a oito meses, será devorado pela tribo. Jean, que quando preso pelos portugueses tinha um bola de ferro acorrentada aos pés, logo percebe que o cativeiro nativo é diferente: sem grades, sem correntes, sem confinamento. Não há distinção entre o livre e o condenado, senão o futuro. A sociedade tupinambá, sua prisão, o consome, em todos os sentidos.
                Não é só Jean que é consumido. O espectador é ainda mais rapidamente consumido pelos tupinambás. Pintos, periquitas e peitos saltam aos olhos, a flauta rústica e o idioma guarani surpreendem aos ouvidos (o francês, pelo contrário, não nos espanta, sintomático da submissão cultural). Entretanto não demora muito para naturalizamos a nudez explicita e as palavras estranhas. Como o francês Jean nos deixamos consumir.
                Em 1922, Oswald de Andrade lança o manifesto Pau-Brasil, que, parodiando o canibalismo tupi, prega a antropofagia cultural. Tal movimento consistia em absorver culturas e “vomitar” arte, mais cultura. Não era o que praticava as tribos do Brasil do século XVI, mas seus prisioneiros, sim, praticavam uma espécie de antropofagismo. A miscigenação cultural, com todas as ressalvas do preconceito e intolerância que percorrem toda a história do país, beberia muito dessa fonte ou comeria muito dessa carne.
                O pronome possessivo “meu” no título da película deixa claro que a perspectiva presente é a do nativo, que toma para si o estrangeiro. O exótico não é o “índio” é o europeu, mas o que prevalece é o gostoso. Uma escolha histórica da cultura brasileira: preferir o sabor à posse. O cineasta e historiador Paulo Emílio Sales Gomes falava que “Para o Brasil nada é estrangeiro, pois tudo o é”. Nada é ao acaso, desde que seja tudo gostoso, de preferência banhado em sangue e sensualidade.   

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O Nascimento da Tragédia em Two and a Half Men

Apolo e Dionísio na CalifórniaTwo and a Half Men, um dos mais famosos programas da década, não é mais uma série, é legitimo representante do nosso tempo. Merecendo ser visto não como entretenimento somente, mas também como fonte de observação sobre poderosos conceitos filosóficos.
 Os dois homens são Charlie Harper, seu irmão Alan e o meio é o filho dele, Jake. Após se separar da mãe de Jake, Judith, Alan vai viver com seu irmão, o bon-vivant, Charlie. A graça do seriado reside nas oposições entre os irmãos: Charlie é seguro, confiante, bonito, conquistador e rico com pouco trabalhado; Alan, por sua vez, é pouco confiante, feio, pobre, não obtém sucesso nem financeiro e nem com as mulheres.   
O Gordo e o Magro
A exploração de contrastes não é inédita nas comédias, ao longo das histórias do cinema e da televisão, o recuso foi utilizado de várias maneiras. O melhor exemplo é o clássico “O Gordo e o Magro”. Além dos arquétipos corporais, havia outras diferenças, o Gordo era impaciente, pomposo e mal-humorado, o Magro era calmo, humilde e sereno.  Tanto o seriado da atualidade quanto o clássico do cinema são frutos de uma mesma concepção estética, resultante da filosofia de Friedrich Nietzsche.
O Dionisíaco Charlie
Em o Nascimento da Tragédia, Nietzsche introduz dois conceitos ao estudo estético: o dionisíaco e o apolíneo. No post Festa Imodesta e O Nascimento da Tragédia , já havia comentado um pouco sobre as origens da tragédia helênica pela ótica do livro de Nietzsche junto com a música de Caetano. A abordagem sobre os dois conceitos fundamentais da obra pode ser vista através de Two and a Half Men. Nietzsche apresenta dois impulsos distintos, mas complementares, que atuavam no intelecto grego, especialmente nas criações artísticas: Dionisio, o deus grego do vinho, da orgia, das festas e da sensualidade. Os seguidores do culto deixam de lado a linguagem e a identidade pessoal para entrar em uma dança extática. A música e a intoxicação são seus meios, o seu fim é “o orgasmo coletivo místico”. Apolo, o Sol, o deus da ordem, da razão, incorporado no sonho da ilusão, é o homem civilizado. O culto apolíneo gera otimismo. A insistência na forma e na compreensão racional ajuda a se fortificar contra o frenesi irracional dionisíaco. Charlie é Dionísio e Alan é Apolo. A comédia dos irmãos incorpora os deuses da tragédia.  
            A dupla divina, apontava o filósofo bigodudo, é um elemento da tragédia helênica, que, posteriormente seria suprimida pela tragédia clássica e pela nova comédia. Esta nova forma de arte renegava o impulso pessimista dionisíaco da existência (impulso resumido no atual “já que a vida não tem sentido, vamo zoar”), valorizando apenas a pulsão racional apolínea. A triste renovação na arte grega é um triunfo filosófico. Sócrates e seu discípulo, Platão, acreditavam que a arte era superestimada, afinal “a arte é uma imitação secundária da realidade – um substituto falsificado da vida mesmo”. Nietzsche constata com melancolia essa vitoria: “A arte é reduzida a mero divertimento e governada por conceitos vazios”   
Ironicamente, podemos perceber a dupla Dionisio - Apolo em comédias como O Gordo e o Magro e Two and a Half Men. Ao contrário do que defendia a dupla socrática, estas comédias tem o viés da tragédia dionisíaca e não a resignação apolínea. São tragicômicas, comédias pessimistas: a busca pela felicidade, ou pelo sentido, ou mesmo por um final justo é vazia. O Gordo não existe sem o Magro, mesmo esse sendo a causa dos seus infortúnios. Alan tem em Charlie um espelho para a infelicidade da sua existência. Charlie busca a felicidade instantânea, (seus meios são os jingles e a bebida, como os adoradores de Dionísio) tendo Alan como uma espécie de consciência, um artífice do autocontrole. Ora os irmãos se estimulam, ora se repelem, não importa, o resultado é o mesmo: o fracasso na conquista da felicidade, materializado nos relacionamentos amorosos. Isto se deve porque esse sucesso definitivo ou a felicidade final no amor, não existem. São metas inalcançáveis no fim do horizonte. Mesmo assim, os irmãos Harper continuam a andar nessa direção, Alan olhando para o sol, Charlie observando a sua sombra.
             Em uma das passagens do Nascimento da Tragédia, Nietzsche se pergunta "Que efeito estético é produzido quando as forças da arte apolinea e dionisica, usualmente separadas, são forçadas a trabalhar lado a lado?" Quem sabe Jake ainda nós responda...
   
Homer vê o vazio cruel nos olhos de Charlie
Não há máscara – Charlie é Charlie; Sheen é Harper. Poucas vezes se viu um personagem tão adequado ao seu interprete (e não o oposto!). Em tempos de idealizações absurdas, o seriado oferece duas típicas, e pergunta: O que é melhor, o homem sensível, gentil que escuta e respeita as mulheres ou o cafajeste, conquistador, misógino e babaca com as mulheres? Não há resposta certa. Talvez nem haja resposta. Não há esteriotipos que se sustentem na prática. Basta ver as mulheres presente em Two and a Half Men. (É necessário outro post para falar das fabulosas mulheres do programa, como a durona Bertha ou mãe da sacanice, Evelyn)

O eterno enterro – O atual Two and a Half Men vive a sombra de Charlie. Foi o seriado que morreu, não Charlie.