segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O Nascimento da Tragédia em Two and a Half Men

Apolo e Dionísio na CalifórniaTwo and a Half Men, um dos mais famosos programas da década, não é mais uma série, é legitimo representante do nosso tempo. Merecendo ser visto não como entretenimento somente, mas também como fonte de observação sobre poderosos conceitos filosóficos.
 Os dois homens são Charlie Harper, seu irmão Alan e o meio é o filho dele, Jake. Após se separar da mãe de Jake, Judith, Alan vai viver com seu irmão, o bon-vivant, Charlie. A graça do seriado reside nas oposições entre os irmãos: Charlie é seguro, confiante, bonito, conquistador e rico com pouco trabalhado; Alan, por sua vez, é pouco confiante, feio, pobre, não obtém sucesso nem financeiro e nem com as mulheres.   
O Gordo e o Magro
A exploração de contrastes não é inédita nas comédias, ao longo das histórias do cinema e da televisão, o recuso foi utilizado de várias maneiras. O melhor exemplo é o clássico “O Gordo e o Magro”. Além dos arquétipos corporais, havia outras diferenças, o Gordo era impaciente, pomposo e mal-humorado, o Magro era calmo, humilde e sereno.  Tanto o seriado da atualidade quanto o clássico do cinema são frutos de uma mesma concepção estética, resultante da filosofia de Friedrich Nietzsche.
O Dionisíaco Charlie
Em o Nascimento da Tragédia, Nietzsche introduz dois conceitos ao estudo estético: o dionisíaco e o apolíneo. No post Festa Imodesta e O Nascimento da Tragédia , já havia comentado um pouco sobre as origens da tragédia helênica pela ótica do livro de Nietzsche junto com a música de Caetano. A abordagem sobre os dois conceitos fundamentais da obra pode ser vista através de Two and a Half Men. Nietzsche apresenta dois impulsos distintos, mas complementares, que atuavam no intelecto grego, especialmente nas criações artísticas: Dionisio, o deus grego do vinho, da orgia, das festas e da sensualidade. Os seguidores do culto deixam de lado a linguagem e a identidade pessoal para entrar em uma dança extática. A música e a intoxicação são seus meios, o seu fim é “o orgasmo coletivo místico”. Apolo, o Sol, o deus da ordem, da razão, incorporado no sonho da ilusão, é o homem civilizado. O culto apolíneo gera otimismo. A insistência na forma e na compreensão racional ajuda a se fortificar contra o frenesi irracional dionisíaco. Charlie é Dionísio e Alan é Apolo. A comédia dos irmãos incorpora os deuses da tragédia.  
            A dupla divina, apontava o filósofo bigodudo, é um elemento da tragédia helênica, que, posteriormente seria suprimida pela tragédia clássica e pela nova comédia. Esta nova forma de arte renegava o impulso pessimista dionisíaco da existência (impulso resumido no atual “já que a vida não tem sentido, vamo zoar”), valorizando apenas a pulsão racional apolínea. A triste renovação na arte grega é um triunfo filosófico. Sócrates e seu discípulo, Platão, acreditavam que a arte era superestimada, afinal “a arte é uma imitação secundária da realidade – um substituto falsificado da vida mesmo”. Nietzsche constata com melancolia essa vitoria: “A arte é reduzida a mero divertimento e governada por conceitos vazios”   
Ironicamente, podemos perceber a dupla Dionisio - Apolo em comédias como O Gordo e o Magro e Two and a Half Men. Ao contrário do que defendia a dupla socrática, estas comédias tem o viés da tragédia dionisíaca e não a resignação apolínea. São tragicômicas, comédias pessimistas: a busca pela felicidade, ou pelo sentido, ou mesmo por um final justo é vazia. O Gordo não existe sem o Magro, mesmo esse sendo a causa dos seus infortúnios. Alan tem em Charlie um espelho para a infelicidade da sua existência. Charlie busca a felicidade instantânea, (seus meios são os jingles e a bebida, como os adoradores de Dionísio) tendo Alan como uma espécie de consciência, um artífice do autocontrole. Ora os irmãos se estimulam, ora se repelem, não importa, o resultado é o mesmo: o fracasso na conquista da felicidade, materializado nos relacionamentos amorosos. Isto se deve porque esse sucesso definitivo ou a felicidade final no amor, não existem. São metas inalcançáveis no fim do horizonte. Mesmo assim, os irmãos Harper continuam a andar nessa direção, Alan olhando para o sol, Charlie observando a sua sombra.
             Em uma das passagens do Nascimento da Tragédia, Nietzsche se pergunta "Que efeito estético é produzido quando as forças da arte apolinea e dionisica, usualmente separadas, são forçadas a trabalhar lado a lado?" Quem sabe Jake ainda nós responda...
   
Homer vê o vazio cruel nos olhos de Charlie
Não há máscara – Charlie é Charlie; Sheen é Harper. Poucas vezes se viu um personagem tão adequado ao seu interprete (e não o oposto!). Em tempos de idealizações absurdas, o seriado oferece duas típicas, e pergunta: O que é melhor, o homem sensível, gentil que escuta e respeita as mulheres ou o cafajeste, conquistador, misógino e babaca com as mulheres? Não há resposta certa. Talvez nem haja resposta. Não há esteriotipos que se sustentem na prática. Basta ver as mulheres presente em Two and a Half Men. (É necessário outro post para falar das fabulosas mulheres do programa, como a durona Bertha ou mãe da sacanice, Evelyn)

O eterno enterro – O atual Two and a Half Men vive a sombra de Charlie. Foi o seriado que morreu, não Charlie.

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