quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Não existe amor em SP, não mesmo




A situação da USP com a repressão tumultuada não é um acaso. Pelo contrário, os acontecimentos na universidade das últimas semanas são sintomáticos sobre a vida na cidade de São Paulo. O cantor Criolo decreta: “Não existe amor em SP”. Se entendermos amor pelo viés do poeta, que afirmava “o amor só dura em liberdade”, a canção de Criolo é precisa com o momento da cidade. Não confundir liberdade com liberalismo, desse SP gosta muito. A liberdade é cada vez mais restrita, em especial, para as camadas e expressões populares; o dinheiro é cada vez mais livre. O resultado dessa conjunção é que enquanto a maior parte do país vive uma fase de inclusão, São Paulo vive e saúda suas exclusões.

São Paulo foi pioneira em proibir o cigarro em bares, o comércio de rua e os pastéis de feira. O que no Rio é o “Choque de Ordem” na metrópole é a vida rotineira: cozinhas de bares fecham as 23h, pois a 1h são obrigados a fechar em respeito ao império do silêncio e do estado de sítio. Chamar de estado de sítio não é uma hipérbole, regiões pobres da zona sul, como o bairro do Grajaú, sofrem com toques de recolher e dispersão de jovens sob o argumento da “prevenção de crimes e uso de drogas”. Com o mesmo argumento um juiz de Fernadopólis, no interior do estado, instaurou toque de recolher para jovens em espaços públicos, medida que foi seguida por outras pequenas cidades. Há um projeto de lei na Assembléia Legislativa que pretende estender a determinação para todo estado. Pessoas encontrando pessoas já é um perigo, que dirá então jovens encontrando jovens? Vai que dar amor...

Bandeira não pode
Os espaços públicos devem ser seletos, reduzidos e proibidos, dignos apenas da contemplação. No mesmo caminho, os espaços lúdicos devem ser racionalizados e ordenados. Nos estádios paulistanos, a repressão ao popular é acompanhada da sua irmã gêmea, a elitização. Sobem os preços, aumentam as proibições. Tudo é proibido nos estádios de SP: não se pode pintar o rosto, é proibido beber (antes da proibição nacional, já o era), não se pode levar radinhos, é proibido levar cornetas; são proibidos instrumentos de sopro; sanduiches de pernil (tradicionalíssimos no palestra e na lusa) também foram banidos. No dia das crianças desse ano, o governador fez um gesto emblemático: vetou a volta das bandeiras aos estádios, proibidas desde 1995. Uma criança ou adolescente jamais viram a linda festa proporcionada por bandeiras. Questão de segurança, vai que em uma dessas bandeiras há uma mensagem de amor?

Da USP ao Grajaú, do metrô de Higienópolis ao albergue de Pinheiros, passando pelos estádios, esse ano foi de muitas vitórias para o conservadorismo paulistano. Não existir amor em SP, é a maior delas.

Sampa – Caetano canta “Narciso acha feio o que não é espelho”. Engana-se quem pense que o mito grego ao qual recorre Cae é sobre vaidade. O mito de Narciso se trata da capacidade de assimilação da alteridade. Apaixonadamente preso ao seu reflexo, Narciso ignora o outro e faz de si a única realidade possível e válida. A conseqüência dessa redução do plano existencial é óbvia: o próprio fim. Da mesma forma, a cidade de São Paulo é refém da paixão pela sua auto-imagem, rejeitando as diversas faces que a pluralidade dos seus habitantes oferece: a opção de Sampa é sempre por si mesma. Uma pena que a imagem que a seduz e conquista seja o reflexo no Tietê.

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