Rivalidade, regionalismo e mídia - Existe uma corrente forte nas redes sociais a pregar que se torça pelo título do Vasco. A movimentação tem mais motivação na antipatia pelo outro aspirante a taça, o Coringão, do que pela simpatia pela Cruz de Malta. Normal, o Corinthians tem a segunda maior torcida do país e grande apoio da mídia paulista, que tem um discurso provinciano mas tem alcance nacional. Enquanto o Vasco é o anti-Flamengo, o time de maior torcida, sempre apontado como a “encarnação do mal” e outras demonstrações de medo das demais hinchas do Brasil. Diante desse cenário, é natural que torcedores paulistas, rivais do Timão, apóiem o Vasco; também previsível que torcedores “alheios” a disputa, como mineiros e gaúchos, por exemplo, fiquem com o Bacalhau.
Agora, há nessas torcidas uma ação que foge da lógica: torcidas cariocas, rivais do Vasco, torcendo pelo... Vasco. Com a mesma argumentação das torcidas distantes da disputa: “Não quero que ganhe o Corinthians, time sujo, da Globo, da CBF, do Neto, das maracutaias e da mídia paulista.” Um pensamento justo, menos para os torcedores cariocas. A corroboração dessa afirmação por parte de tricolores, botafoguenses e até flamenguistas é reveladora.
Uma das alegrias de ser campeão é poder zoar, rir da cara, humilhar, infernizar e ofender nossos amigos e entes queridos. A vida costuma não respeitar escolhas futebolísticas e as pessoas acabam se relacionando com torcedores dos mais variados times. E não importa a beleza da existência daquele individuo que amo, se não escolheu meu time, está errado e merece sofrer. Um dos prazeres mais doces de viver o futebol. Por que recusar-lo então?
Meu inimigo, cúmplice da minha paixão – Em a Genealogia da Moral e Além do Bem e do Mal, Nietzsche expõe duas visões distintas do inimigo: As sociedades nas quais predominava a ética nobre, grega e romana, por exemplo, o inimigo era visto como essencial para o guerreiro nobre. O guerreiro nobre respeita seu inimigo como realce para sua própria vontade e ação e, para ser piegas, “o respeito já é uma ponte para o amor...”. Por ter semelhantes qualidades o inimigo do nobre já é valorizado por ele. O inimigo concebido pela ética do escravo é oposto, é um mal que deve ser idealmente destruído. A ética do escravo é pautada pelo rancor covarde do espírito escravizado. Nietzsche diz que essa ética representa “o cheiro do fracasso de uma alma que envelheceu”.
Quem gosta de futebol percebe facilmente que o espirito do futebol é o da ética do nobre. Rivais engrandecem um ao outro. O desejo de vencer um time é proporcional ao tamanho. Vitórias sobre os grandes são vitórias maiores. Para fugir do caso carioca, o que seria do Inter sem o Grêmio, e vice-versa? Os clubes gaúchos se fizeram nacional a partir da disputa local. Sempre guerreando, os clubes se consolidaram grandes e nobres. Jogos se tornaram clássicos. Quem não teve rivais, ficou sem história. Descansou em paz.