quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Tentativa de uma filosofia melancólica - I


         Essa análise critica se destina a quem viu o filme. Logo, os diversos elementos do longa são tidos como dados. Assim, julgo deveria ser todas as criticas: uma observação para dialogar com aqueles que viram a realização. Não é dessa maneira que são feitas as criticas. O que se chama “crítica” presente em cadernos e sites “especializados” é, na prática, guia de consumo. “A arte é espetáculo; o espetáculo precisa do clímax, portanto, não podemos revelar ou abordar certos elementos, do contrário o consumo é desmotivado.” Por essa lógica tacanha, o bonequinho dorme quando não come pipoca. Da sua maneira, Von Trier desmonta essa estrutura de pensamento, seus dois filmes mais recentes, Anti- Cristo e Melancolia apresentam o epilogo já no seu prólogo. O que muda é a perspectiva das cenas iniciais e finais em cada caso.


A melancolia de Freud
        
          Para se falar da Melancolia de Lars Von Trier é preciso observar as raízes que fazem brotar o sentimento título. Não deve ter sido fácil fazer o Anti-Cristo. Mais difícil ainda deve ter sido ver O Anti-Cristo feito, lidar com um filho tão sombrio. O luto do Anti-Cristo inspira a Melancolia. Sentimentos abordados, gerados e intensificados pela obra.

Sobre esses estados distintos, mas semelhantes, Freud escreveu o artigo “Luto e Melancolia” em 1915. Para Sigmund, luto é definido como “a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém” O sentimento melancólico é parecido, contudo é mais intimo: “A melancolia também pode constituir reação à perda de um objeto amado. Onde as causas excitantes se mostram diferentes, pode-se reconhecer que existe uma perda de natureza mais ideal. O objeto talvez não tenha realmente morrido, mas tenha sido perdido enquanto objeto de amor (como no caso, por exemplo, de uma noiva que tenha levado o fora).” O luto pode ser geral, a melancolia é pessoal. Todos estão em luto, mas a melancolia só abate alguns. Por ser um estimulo externo, uma reação, ”A perturbação da auto-estima normalmente esta ausente no luto”. O luto é uma reação, a melancolia uma ação. O Luto é uma defesa do “eu”, a melancolia é um ataque feroz ao “eu”.  Essa forma de defesa é explorada no Anti-Cristo até as últimas conseqüências. O Anti-Cristo trata da desilusão com o mundo e o aniquilamento do individuo; a Melancolia aborda a destruição do mundo e a desilusão com o ”si próprio”. Ou nas palavras do pai da psicanálise: “No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego.” Boa parte do trabalho de Freud é sobre o ego e sua primordial função na autonomia do sujeito. Sendo assim, podemos perceber a força da melancolia, uma vez que tão poderosa ela consegue confrontar e vencer o ego. O sentimento melancólico é, portanto, vasto e avassalador, logo, sua representação não pode ser simples e tímida. Não se pode representar a melancolia com um grão de areia ou com uma pedra no caminho, é necessário um símbolo potente, gigantesco e universal… como o casamento.




A chave da compreensão dos conceitos, segundo Freud, é a ambivalência que possuem. A multiplicidade do luto é explorada até o fim no Anti-Cristo. Os vários estados da mãe mostram as várias facetas do luto, ora amorosa, ora odiosa, ora alegre, ora deprimida.

Essas variações se intensificam na Melancolia. O matrimônio, suposto desejo das mulheres, é ridicularizado pela própria noiva. Clare é quem sacraliza o casamento, exigindo a perfeição.  Justine é o desconforto encarnado na situação. Sendo a protagonista da cerimônia seu desconforto se estende a todos no local. Os pais de Justine e Clare representam bem esse mal-estar, contudo cada um a sua maneira: o pai é a serenidade em pessoa, a mãe, a própria severidade. O pai vê a beleza no mundo (todas são Betty, “graciosas” em uma tradução livre), a mãe só enxerga decepção. Ambos representam distintos niilismos. Se a irmãs podem ser vistas de uma perspectiva freudiana, a compreensão da figura  dos pais passa por uma análise yungiana (que não cabe aqui)

A falta de importância do noivo afirma a simplicidade do papel do homem diante de sentimentos femininos tão complexos. Como ocorre no Anti-Cristo, no qual o homem não consegue entender as reações da mulher ao luto. O mesmo ocorre com a incompreensão do noivo perante a melancolia da noiva. Procura razões onde só há sentimentos em conflito. As imagens que carregam demonstram bem isso: ele traz consigo uma imagem bucólica de uma fazenda de macieiras - logo, a maçã e seus múltiplos sentidos – chegando parecer bobo. A imagem dela, por sua vez, é agressiva, quase feroz, uma propaganda com mulheres destruídas em um cenário futurista. A diferença é de 678 para 1 milhão.

A festa é frustrada. O sonho é esquecido. “Por que?” se desespera o noivo. Só Justine sabe, só ela pode saber. Sem dúvida, isso irrita demais quem quer as coisas às claras. O mundo de Justine, que só ela entende, acaba de dentro pra fora. Com Clare seria diferente




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